31 de dezembro de 2012

Assalto, o retorno

Continuação de Assalto

Assalto, o retorno

- AÊ, PASSA TUDO, PASSA TUDO!

- Porra, já não combinamos que ia parar de gritar?

- Aê brother, tu é o carinha que eu devo cinquenta mangos, né?

- Em carne, osso e celular.

- Po, tu sumiu, e hoje o dia foi fraco. Se quiser a grana vai ter de ir la em casa buscar...

- Po, tu me da uma dessas? Já atrasei o suicídio uns dias por sua causa, e agora ainda vou chegar tarde em casa...

- Sinto muito cara, mas faz assim, vai la, eu te pago e tu ja se suicida la mesmo. A gente pode até carregar seu corpo prum aterro e tals...

- É, pode ser. Cê ta de carro?

- Que carro, ta maluco, quer que alguém me roube? Vamos a pé mesmo, é um tirinho de espingarda¹.

~ Duas horas depois ~

- Po cara, já andamos pra caramba, podíamos pelo menos parar e tomar alguma coisa?

- Pode ser... ali tem um bar, conheço a dona. É minha cliente

- Cliente?

- É. roubo ela aos sábados  Antigamente era domingo, mas como era o dia de maior faturamento ela pediu para eu mudar...

- Po, tu é organizado, hein?

- Precisa ser, né. Ô Tia, salta dois sucos, um para mim e outro pro meu parça.

- Mas hoje é quarta, nem dia de assalto é...

- Eu sei, fica tranquila. Na verdade vou pagar, queria até um dinheiro emprestado, se possível, dai devolvo no sábado... Quanto ta o suco?

- Para você, 10 reais. Vai querer quanto emprestado?

- Cinquenta, mais os do sucos. E, po Tia, ta me roubando? Isso ai é um saco de pó em 5 litros de água e quer me cobrar tudo isso?

- Cê me rouba todo sábado, e deve ter roubado seu parça também, e quer vir me falar de roubo?

- Ta, Tia, cê ta certa.

- Mas eae, cara, tu faz  que da vida para querer se suicidar?

- Ah, sou analista²...

- Tipo aqueles camaradas que ouvem o que outra pessoa diz e depois dão palpite?

- É, mais ou menos isso.

- Po, sempre quis ir num desse, tinha como me analisar?

- Ta, mas eu cobro 300 mangos. Para você faço por 200.

- Po, isso é um roubo...

- Pois é, só tem ladrão aqui. Para de reclamar e paga o homem...

- Ok. Deixa eu falar. Tudo começou quando eu fui assaltado pelo Patati e Patatá [...] e depois também fui obrigado a comer doce de leite ontem pela minha mulher. Odeio isso. O que acha, doutor?

- Acho que isso que te tornou ladrão, em especial a experiencia com o Texugo de aparelho te comprometeu demais. Acho também que me deve 200 reais.

- Tia, tem como me emprestar mais 200?

- Mas vou cobrar juros sábado...

- Ta, ta. E vou é para casa, antes que mais alguém resolva me roubar. Até sábado  tia. E se mudar de ideia quanto ao suicídio e quiser ser assaltado, só passar na minha área...

Glossário 

Tirinho de espingarda¹: Expressão comumente utilizada em minas gerais, eufemismo para grande distancia, sinônimo de longe pra caralho.

Analista: Do dicionario popular, "Camarada que houve o que outra pessoa diz e depois dá palpite", da Kelly Key "Pessoa relacionada com problema de ana, o analista."

26 de dezembro de 2012

A Garota Cinza

A Garota Cinza


           Lá estava ela. Toda trabalhada em escalas de cinza e preto. Sua camiseta outrora fora estampada com o nome de alguma banda de rock, mas o tempo levara a estampa e deixara a camisa apenas preta, tão envelhecida e desgastada que já se tornara quase cinza. As calças costumavam ser roxas, mas a fuligem do dia-a-dia e o desleixo da garota a deixaram mais preta que a blusa. E a mesma fuligem e o mesmo desleixo tornaram o rosto dela também cinza.
         
           Mas não a boca, e não seus olhos. Seus olhos eram feitos do azul claro mais belo que eu já havia visto, algo como a cor que as hortênsias têm perante a luz do luar e dos primeiros raios de sol. Seus olhos, vez ou outra postos em cima de mim, que contrastam tão bem com seus lábios azul meia noite, estes sim eu queria sobre mim...

           Ela jogava truco, com alguns fora da lei mais imundos que nós dois juntos, e aquela coisinha azul meia noite havia proferido mais palavrões na ultima rodada que eu em minha vida toda. Pedi uma ultima dose e anunciei:

           - Vou jogar.

           Não era um pedido, e não admitia recusa e o máximo que ela fez foi balançar os ombros cinza, e falar algo como:

           - Um ladrão a mais ou a menos não fará diferença.

          A risada dos homens foi gostosa, e a minha amarga, mas eram palavras tão vazias quanto meu copo e aquelas duas coisinhas azul hortênsia tinham um brilho mais ardido que o cigarro em sua boca. Puxei a cadeira e as cartas e lá se foi a noite, entre doses de bebida baratas, perdas e ganhos e, horas depois, estavam todos tão bêbados que já não distinguiam as cartas.

         Fomos embora daquele hospício que chamamos de lar. Sim, fomos, eu e aquelas coisinhas azuis. “Na minha casa ou na sua?” Perguntei, e a resposta foi muda. Despiu-se ali, a luz da lua, despiu-me, e possuiu-me. Sim, foi ela que me possuiu, num ato mudo. O ato de uma garota cinza que conhecia todos os palavrões, mas nenhuma palavra de amor.

23 de dezembro de 2012

Fim do mundo

Fim do mundo

              Dia 21 de dezembro, dia frio, previsão do apocalipse, arrebatamento ou como você preferir chamar, e eu que sou um rapaz muito disciplinado e cético, vou escrever para o meu blog. Ta, ta, nem eu acredito nessa. Eu tava mais era feliz, fim do mundo e tals, ótima desculpa para não postar e ir no shopping. Estava saindo, desviei de dois meteoros e então vi um anjo. Ta a parte dos meteoros era mentira, mas o anjo era verdade... Em parte.

             Olhei, desconfiado, e fui percebendo que aquelas asas pareciam meio fajutas, e eu nunca tinha visto anjos de chapéu de astronauta, nem aparelho. Pela descrição ficou obvio, era meu brother texugo.

             - Você me deu um susto! Ta fazendo o que aqui? Não sabe que vão implodir a coisa toda? Ta rolando um papo de uma via expressa e...

             - É justo por isso que vim aqui, cara! Esqueça essa baboseira de via expressa, que tipo de pessoa acredita nisso? A verdade é só uma: Os Maias vão explodir geral, para poder fazer uma festa em comemoração pela explosão, e advinha quem descolei três convites?

            - Festa, convites? Sério? Se ainda fosse o papo da via expressa, mas cara... E minha casa? meus amigos? Meu planeta, e mais importante de tudo, ainda não vi O Hobbit!

            - Relaxa, chama ele, to com um convite sobrando...

            - Po cara, é um filme!

            - Ah... depois alugamos então, ou compramos pirata nos aneis de saturno, sei la, mas não podemos perder essa festa, espero ela desde meus 13.247 anos!

            - Ta, bora para a festa então... vai durar quanto tempo?

            - Se você acreditar nos Incas, 2 anos, depois eles vão destruir a festa e dar sua própria festa...

           - 2 anos só?

           - Claro que não! Tu acredita nos incas? precisa parar de acreditar em qualquer besteira...

19 de dezembro de 2012

Morte e Esquecimento


Morte e Esquecimento

- Quer ir comigo num Sarau? – Cuspiu Vitor em cima dela. Eu certamente poderia usar “disse” ou “falou”, mas estes não fariam jus ao modo como as palavras foram expelidas de sua boca. Como se tivessem engasgadas desde o primeiro dia que se viram, a primeira aula, e três anos depois, na última aula, sozinhos no estacionamento, ele cuspiu.

- Para quem esperou três anos para falar, você fala rápido demais. - Ela sempre gostou de notas enigmáticas. E ele sempre adorou isso nela. Mas precisava de uma resposta, e sua garganta ainda estava dolorida da ultima cuspidela. – E isso é um sim, para essa sua cara de interrogação.

- É dia um. As nove. Eu não tenho seu endereço...

- E não precisa. Me dê o endereço e nos encontramos lá, às nove.

Ele achou que ela não iria. E uma hora de atraso não ajudou a mudar seu pensamento. Uma hora encarando a decoração do salão, cujo tema era morte. Ninguém excepcional se apresentaria naquela noite. Apenas alguns bons amigos. Por sobre os caixões, decorados com frases populares...

Para uma mente bem estruturada, a morte é apenas uma aventura seguinte”

Uma pessoa só morre quando é esquecida”

Mãe se eu morrer de um repentino mal vende os meus bens, a bens dos meus credores...”

Ou não tão populares assim. Mas que se dane, ela chegou e era a mais bonita da festa.

Procuraram uma mesa, pediram uns petiscos e fingiram se importar com cada uma das frases ditas por sobre os caixões, mas só queriam ir embora. Ele nunca verbalizaria que só queria ir para a casa dela e tirar toda aquela produção. Sim, era o primeiro encontro, mas depois de três longos anos. Porém ela nunca teve problema com as palavras.

- Eu duvido você repetir a última frase que o gordo que eu não lembro o nome disse.

Ele acordou do transe. Os pensamentos dele já estavam na casa dela, e ela já estava deitada na cama. Por motivos óbvios, não conseguiria repetir as palavras.

- Já que não vai usar a boca para falar, por que não a utiliza para outra cosia, benzinho?

Ele bem que queria. E o faria ali mesmo. Ela percebeu e o cortou, por uma última vez.

- Não aqui. E não a base de suco de Romã.

- Eu tenho vinho em casa...

- Então me leva para lá. – Ela levanta. Ele levanta junto e se encaminham para a porta, enquanto ninguém percebe. Acho que poderiam transar ali sem ninguém perceber. Geralmente escritores medíocres gostam do que outros escritores medíocres escrevem. Ele sabe disso porque é um escritor medíocre. Mas a hipótese com suco de romã já foi descartada.

O problema de ir num Sarau fúnebre é que os organizadores se sentem na obrigação de fazer o evento bem tarde, em algum beco obscuro da cidade. Quando você sai junto com todos, tudo bem. Mas quando você sai sozinho antes, bom, geralmente você vê um bandido. E geralmente, ele te vê.

- Dinheiro, jóias, celular... – Sempre o mesmo discursinho. E eles não reagem. Você passa tudo o que tem para ele e ele? Atira. Seis vezes, até esvaziar o tambor. E ainda assim, eles não reagem.

E ela está morta no chão, sangrando. Enquanto ele está vivo. Nem sequer foi atingido, mas jamais conseguirá esquecer-se dela. Enquanto ele mesmo será em breve esquecido...

16 de dezembro de 2012

Sobre Ingressos e Galinhas

Sobre Ingressos e Galinhas

          Mais um dia, no inglês, naquela sala que mais parece uma lata de sardinha - mentira, na verdade a lata é bem mais espaçosa - com o ar condicionado quebrado e pingando água na cara de quem vai na lousa e, ta, parei a sessão diário de classe.

          Depois de um árduo debate sobre quem merecia ser o personagem com menos falas no diálogo, chegamos a conclusão de que a professora nos interrompeu e disse que seria ela. Pois é.

          Então lemos o diálogo de forma linda e diva, como se tivéssemos nascido na Inglaterra (Só que não) e a professora pergunta quais palavras nós não conhecemos. O mais legal disso é que alguém(Tipo eu) sempre responde antes da professora. É legal, mas quando perguntam o que é ticket pode ser algo embaçado.

          Vai que alguém confunde ticket com chiken e diz que ao invés de ingresso é galinha? Acabaríamos por comer papel empanado na escola. Ainda bem que ninguém fez isso...

12 de dezembro de 2012

Beija-flor


Beija-flor

          São Paulo, 03 de Novembro de 2012

          A vida é engraçada. Há um ano mal nos conhecíamos  e então, uma noite, você se pega pensando no quanto ela é doce, antes de dormir. Você passa a noite sonhando com ela, admirando-a, e acorda pensando no quanto ela é importante para você.

          E então você precisa dizer isso para ela, mas não faz ideia de como, afinal, todos os dias vocês se despedem com um "Eu te amo", e se repetir isso ela não entenderá o quanto. Não fará a minima ideia de que você chegou a conclusão de que não consegue mais se imaginar vivendo sem ela.

          E então, o que você faz? Você pega o seu diário  aquele que ganhou com sete anos de idade, usou dez dias consecutivos e depois passou a suar esporadicamente. Você escreve nas paginas, já muito amarelas, o tamanho da sua necessidade em dizer o quanto a ama.

          Ama sem estar apaixonado. Ou talvez esteja. Não sabe, não faz a menor ideia do que sente. É mais intenso do que qualquer amor que você já sentiu, e mais forte que qualquer amizade, mas não enlouquece  É só paz, é só te deixar bobo o dia todo.

          E, por ultimo, você pega a pagina do diário coloca no bico de um beija-flor, na esperança de que um dia suas palavras cheguem aos olhos de quem as merece. Mas ela já sabe, não é? Ela sempre sabe.

9 de dezembro de 2012

Assalto

Assalto

         - PERDEU, PERDEU, VAI PASSANDO

         - Calma, caramba. Precisa gritar? O loco, não é por que sou vitima que sou surdo, fala baixo...

          - Po cara, desculpa ai, sabe como é, precisa impor moral logo, se não...

         - Ta, ta, ta, não precisa ficar explicando. Que que tu quer, é celular?

         - Não, a gente não ta mais trabalhando com celular. Muitas vezes a pessoa bloqueia o aparelho, dai ferra com a gente, sabe?

         - Sei sei. ´

         - Tem dinheiro?

         - Tenho 200, 250.. 400 reais. Serve?

         - Passa 200. Faltam só 50 para cobrir a meta do mês, mais cem de hora extra, é, da duzentos

         - Po cara, da 150! Tu não foi na escola não?

         - Sabe como é, a vida ta difícil  tive de abandonar por que não podia perder esse emprego, mas legal, 150 então...

         - O ruim é que não vou ter trocado para você...

         - Faz assim, me da 200. Amanhã tu vem aqui e pega o troco, beleza?

         - Ta, né... Eu ia me suicidar, mas passo aqui para pegar o troco.

         - Até amanhã, brother.

         - Até amanhã, e vê se para de gritar!

         - Suave

5 de dezembro de 2012

Perfume e Espinhos

Vale do abandono, 30 de fevereiro de 2012

Amor, meu grande amor.

        Acordei esta manhã sentindo tua falta, minha rosa, assim como em todas as outras. Acordei em nossa cama, ainda com seu perfume em minhas narinas. Teu perfume, outrora tão doce, agora tão azedo, qual nosso amor.
        Ainda durmo sob os mesmos edredons e sobre os mesmos lençóis que costumávamos ficar acordados, ainda levanto com o despertador cansado de tocar e ainda como torradas no café da manhã, com a mesma geléia que costumava lambuzar teu rosto macio...
        Mas ainda que em minha vida reste um pouco de seu perfume sinto falta dos teus espinhos, dos teus defeitos pequeninos.  Do teu bafo matinal, com sabor de cachorro quente com pimenta e de tuas broncas por calar tuas broncas com minha boca tão sedenta...
        Sinto falta de teu amor por completo. De sentir teu perfume doce, quase enjoativo sem rastro do modo azedo como ficou em nossa casa e sinto falta de teus espinhos, arranhando minha pele de forma mansa, de minha pele sendo curada pelo teu perfume indecente...
        Mais que sinto falta, eu preciso de você. De teus doces espinhos. De teu nocivo perfume.  E é sobre minha abstinência de você que escrevo nessa carta por que, agora, é o que me resta. Minhas cartas são o que reavivam o que já não existe. Meus desejos me fazem, ainda que longe, me sentir perto de você e além das minhas cartas e meus desejos me restam apenas as migalhas de teu perfume.
         As migalhas de teu perfume que jamais poderão curar a dor que me causa por não mais me machucar...

Espero que eu possa me despedir
apenas com um até breve,
 teu Jardineiro. [/teal]</div>

2 de dezembro de 2012

Carvão

Carvão

          - Alguém tem um pedaço de carvão?

          Toda vez que o Texugo esquece a bolsa é a mesma coisa, sai pedindo carvão, gilete e outras coisas estranhas para o povo da sala. E a Flavia (Sim, ela mesma) logo se irrita, assim como os professores, e sai xingando:

          - Ai menino, você realmente não se toca que NINGUÉM trás carvão para escola?

          E o Texugo ignora - talvez por ser ninguém, vai saber - e continua pedindo os itens. Com o tempo, troca por itens mais normais, como lápis e apontador. Na verdade, o texugo não acha educado sair pedindo logo esse tipo de coisa. Gosta de começar divagar.

          Acha que o mundo seria um lugar melhor se as pessoas começassem devagar. Primeiro o carvão, depois o lapis e só então a caneta. Mas ninguém trás carvão para a escola. Só ninguém mesmo para deixar seis pedaços de carvão na bolsa, na esperança de um dia alguém pedir.